Liberdade de imprensa sem mentiras ou manipulações

Sérgio Botêlho – A imprensa não é uma unanimidade. Por sinal, nunca foi, desde que surgiu no miolo da revolução industrial. Contra ela, sempre se puseram os amantes dos regimes autoritários, em particular, mas também, é preciso reconhecer, muitos amantes da liberdade e da verdade.

Contemporâneo privilegiado dos primeiros passos do jornalismo, em França, o famoso escritor Honoré de Balzac, por exemplo, que viveu entre os anos de 1799 e 1850, foi, na largada, um dos seus mais ácidos críticos. 

Incomodado com a influência crescente dos jornalistas sobre a opinião pública, Balzac pôs na boca de seu personagem mais recorrente, o jornalista e escritor Nathan, uma cáustica observação: “se a imprensa não existisse, era preciso sobretudo não inventá-la”.

‘De manhã, eu sou da mesma opinião que meu jornal, mas à noite eu penso aquilo que eu quero’, espetou Nathan, em Ilusões Perdidas, descompondo o senhorio da nascente mídia sobre o modo de pensar dos seus (da mídia) leitores.

Vindo do interior da França, onde nasceu, para Paris, Balzac se deparava com um jornalismo em gestação e cheio de defeitos originários – entre eles, a venalidade – a indicarem, infelizmente, o modus operandi de muitos jornalistas e órgãos de imprensa, até hoje.

Para o escritor francês, apesar de tudo, a imprensa era algo inexorável, cuja tendência seria crescer e aumentar seu prestígio e alcance, o que de fato aconteceu, evoluindo do meio impresso para o radiofônico, o televisual e, mais contemporaneamente, o virtual, internético, onde todas as formas de comunicação se encontram juntas e misturadas.

Em nossa época, e às vésperas da revolução da internet 5G, com essa junção e mistura das formas de comunicação de massa num lugar só, parte dos problemas da imprensa segue o fio desencapado por Balzac, agora, em escala bem ampliada.

Por sinal, vale lembrar que o autor do A Comédia Humana, onde Ilusões Perdidas se inscreve, lamentava, ainda, a invenção de mentiras na embrionária imprensa, a desancar pessoas e destruir reputações. Tudo a ver com a atual prática das fake news.

Tudo isso e muito mais nos leva a debater com especial cuidado, mas denodo, o aspecto da liberdade de imprensa, que hoje se comemora no país. Sua defesa não é unânime, como já observamos, mas há que se examinar bem quem é contra e quem é a favor, e, atentamente, os respectivos porquês.

Quem mais combate a liberdade de imprensa hoje em dia são os autocratas e os regimes ditatoriais, interessados que estão no progresso de suas ideias e determinações, sem questionamentos.

Curiosamente, são os mesmos que se dedicam à propagação de notícias falsas, nos meios virtuais, por intermédio das redes sociais, sobre as quais deitam teorias de ampla liberdade, mas que são seus primeiros algozes uma vez conquistado plenamente o poder.

A liberdade de imprensa, por todos os motivos expostos há tanto tempo por Balzac – muitos deles, repito, ainda lamentavelmente existentes -, não pode ser questionada sob a perspectiva de nenhuma teoria repressora e capaz de impedir o mais amplo direito à informação. 

A imprensa livre é uma barreira necessária a pretensões autoritárias, mesmo que devido a suas demasias ou insuficiências acabem até lesando processos democráticos, cujos exemplos não são poucos ao longo da história, no Brasil e alhures.

O aperfeiçoamento da liberdade de imprensa repousará, certamente, na capacidade de as democracias construírem instituições fortes o suficiente que assegurem a liberdade de imprensa sem permissividade à divulgação de notícias falsas. 

E também sem concentrações de poder privado que se prestem a conduzir o leitor a manipulações, em conformidade com o que se preocupava Balzac. Na leitura da mais ampla gama de fontes de informação reste garantida a capacidade de o leitor pensar por si mesmo.  

No caso da notícia falsa leia-se a veiculação de fatos mentirosos, não acontecidos ou sem comprovação, como se verdadeiros fossem. E não, é óbvio, de opiniões livremente expostas, e assinadas, sobre todo e qualquer assunto.

Afinal de contas, parafraseando máxima volteriana, encerro: posso não concordar com uma única palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-la, desde que o fato originário dessa palavra não seja uma mentira.

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