Sérgio Botêlho – Ponho-me a pensar e repensar sobre a fome e não encontro outra responsabilidade mais primária para o Estado do que a de dar a seus cidadãos o direito de se alimentar para a sobrevivência.
Portanto, o combate à fome deveria ser para todo e qualquer dirigente político, em todas as esferas de poder, preocupação central na elaboração de qualquer programa de gestão, e na sequência, em sua execução.
Como pode o indivíduo com fome de alimentos suficientes, para simplesmente viver, conseguir operar sua cidadania? Que discernimento pode ter o faminto sobre suas ações diante da fome e da necessidade de saciá-la?
Então, como é possível admitir a insuficiência do Estado na tarefa de fazer com que a Nação como um todo tenha direito real de comer, e ainda exigir do famélico algum tipo, por mais rasteira que seja, de eficiência e produtividade?
Se há uma parte da população passando fome, inafastavelmente o delito é do Estado. E quanto mais ampla for a fome de um povo maior grau de culpa deve ser imputada aos seus dirigentes.
Essas reflexões são pertinentes no Brasil de hoje em que se anuncia a execrável e vergonhosa realidade, perante o mundo e à história, de que mais da metade de sua população padece de insegurança alimentar.
E dentro desse contingente enorme de mais de 120 milhões de pessoas, 33 milhões não têm literalmente o que comer todos os dias. E desse jeito, não conseguem pensar em outra coisa senão em matar a fome.
Como pode o país sonhar com a chance de quantidades cada vez mais amplas de sua gente coadjuvar no sucesso da economia e da sociedade, e no soerguimento da pátria, se não têm condições de dar um passo vital para isso, que é o de se alimentar?
A fome brasileira, no grau em que se expressa, neste momento, não é fortuita. Ela é resultado de uma concepção diabólica de Estado, baseada em privilégios diversos, que resulta em políticas econômicas e sociais excludentes ao nível do absurdo.
Pensemos, por um momento, em planos liberais de funcionamento da economia, conforme defendem alguns dos atuais detentores de mando e poder. Pois bem. Como será possível estabelecer uma concorrência meritória na economia e na sociedade, do ponto de vista liberal, se a maior parte dos indivíduos que poderiam participar da concorrência não tem condições de fazê-lo porque está morrendo de fome?
Defender que a fome na proporção da que se configura hoje no Brasil possa ser entendida como culpa dos pobres é uma venalidade a ser devidamente incluída nos crimes de lesa-pátria, sem qualquer sombra de dúvidas.
Por irrestrita honestidade intelectual é necessário reconhecer que 8 anos atrás, em 2014, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, o Brasil deixou o mapa da fome mundial, montado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
A façanha brasileira era fruto da soma de políticas de Estado, algumas originadas no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e consolidadas e ampliadas no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste caso, o Fome Zero e o Bolsa Família.
Foi o abandono da ênfase a essas iniciativas sociais, com destaque para o atual governo do presidente Jair Bolsonaro, que fez com que essa tendência acabasse prejudicada em nome de iniciativas efêmeras e ineficazes, frente a atitudes que claramente as confrontam.
Tudo, portanto, resultado de políticas de Estado, para o bem e para o mal, a revelar bem claramente a responsabilidade dos governantes para com a fome e com o bem estar dos cidadãos.
Não creio que haja possibilidade de mudança na forma de conduzir os negócios do Estado, na mão ou na contramão dos interesses reais da Nação, senão a partir do exercício pleno da cidadania, com o próprio povo direcionando ou redirecionando, conforme o caso, os rumos da política, democraticamente.
Nesse sentido, surge uma grande e imperdível oportunidade de esse direito ser exercido que é o do processo eleitoral em curso no país. Vamos continuar com uma política causadora da fome em massa ou dar-lhe um basta buscando superá-la?
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