Sérgio Botêlho – Presente na Paraíba desde a época da Filipéia de Nossa Senhora das Neves, a Santa Casa da Misericórdia manteve, no prédio da Igreja da Misericórdia, até início do XX, o Hospital da Caridade, a receber “alienados” e detentores de moléstias diversas, inclusive contagiosas, na dependência da filantropia e do auxílio público
São dolorosas as memórias que se referem ao funcionamento do Hospital da Caridade (Hospital de Santa Isabel), dependente quase absoluto da benevolência particular e pública, enquanto funcionava na parte de trás da Igreja da Misericórdia, sob a responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia – antes de se mudar para a região de Cruz do Peixe, em 1914.
JOÃO PESSOA E SUAS HISTÓRIASEm seus atendimentos, o referido hospital recebeu “mentecaptos”, “loucos”, “transtornados” e “possessos”, conforme denominação oficializada pelos documentos da época, mas também retirantes da seca, muitos em situação de morte iminente, vítimas de epidemias (varíola, febre amarela, cólera) e acometidos pelas mais diversas moléstias ‘interiores’. Cruz da Menina, em Patos: uma peregrinação infindável
Além do espaço geral pequeno, o Hospital da Caridade era mal dividido e, por consequência, cercado de grandes dificuldades para a separação de doentes e de doenças, resultando num ambiente, na verdade, de proliferação dos males, ao invés da cura. Por isso, muita gente só procurava atendimento no Hospital da Caridade, como se diz, nas últimas.
Data do ano de 1857 a realização de uma reforma no prédio que provocou melhorias nas instalações diminuindo – mas, não extinguindo – os problemas causados pela mistura de doentes e pelo atendimento indiscriminado de pacientes, inclusive dos tais ‘alienados’ que chegavam da capital e, ainda, do interior da província.
O ano em que houve a reforma foi o segundo na cronologia de um mortífero surto de cólera morbus que matou milhares de paraibanos, sendo o Hospital da Caridade o destino de boa parte dos atingidos pela doença que, conforme relatórios da Santa Casa, matou mais de 1.500 pessoas somente na Cidade da Paraíba.
Dois anos depois dos melhoramentos quem visitou o hospital, em carne e osso, foi o imperador Dom Pedro II, secundado dois dias depois pela imperatriz consorte Tereza Cristina, uma visita que ficou nos anais da história da Santa Casa e que resultou na promessa de donativos reais para ampliação do prédio.
Felizes foram os dias posteriores às duas visitas imperiais, uma vez que mexeram com a compaixão de muitos ricos da época, que decidiram fazer doações importantes em dinheiro para o sustento do hospital, e medicamentos, por parte de um dono de botica, e mais dinheiro para asseio e melhoramentos.
Após essas reformas e surtos de benevolência, os anos compreendidos entre 1877 e 1879 foram particularmente terríveis na história do Hospital da Caridade. Uma das mais terríveis secas ocorridas, então, na Paraíba, despejou na capital um grande número de retirantes, que passaram a ser atendidos pela Santa Casa.
Tudo isso, é preciso sublinhar, acontecia em pleno centro da Cidade da Paraíba, em um local cercado de moradias regulares, cuja população terminava sujeita à propagação de doenças e profundos incômodos causados pelos gritos, dias e noites a fio, dos ‘possessos’ e ‘mentecaptos’, misturados aos gemidos provocados pelas dores dos doentes em tratamento.
Após a década de 1880, aos poucos a Santa Casa foi ocupando espaços construídos no sítio de Cruz do Peixe (dado em pagamento de dívida do governo provincial com a Santa Casa) inclusive do Asilo San’Ana (um capítulo à parte), para onde então foram transferidos aos submetidos a tratamento psiquiátrico.
Em 1914 foi finalmente inaugurado o novo prédio do Hospital da Santa Casa, o Santa Isabel, em Cruz do Peixe. Ali já funcionava precariamente o Hospital dos Variolosos, motivo de forte preconceito alimentado pela população, e de um cemitério, onde os mortos pela varíola eram enterrados.
Naquele momento, a parte mais dura da existência do Hospital da Caridade havia passado, embora outros desafios se apresentassem.
FONTES:
A Santa Casa da Misericordia da Parahyba do Norte
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A administração da loucura – A Santa Casa da Parahyba do Norte
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A Santa Casa da Misericórdia na Paraíba