Dia da Imprensa 2020 – _Sérgio Botêlho_
Caminham três cidadãos, Pedro, Antônio e Francisco, tendo mais à frente, cerca de 200 metros, uma mulher levando um filho pequeno pela mão. A distância não permite ouvir o diálogo. De repente, a mulher dá um tapa no rosto do filho, que, chora agarrado à mãe.
Ao chegarem em casa, as três testemunhas noticiam o fato às respectivas esposas.
Os relatos
(Relato de Pedro) “Veja você, Rosa, assisti a um acontecimento constrangedor. Íamos eu, Antônio e Francisco tendo muito à nossa frente uma mulher e seu filho pequeno. De repente, a mulher bate na cara do filho. Não sei o que aconteceu de tão grave. Não tinha como escutar por conta da distância. Imagino que a mãe, de alguma forma, tenha sido desrespeitada. Assim, não teve saída.”
(Relato de Antônio) “Que ocorrência perturbadora vi hoje, Maria. Íamos eu, Pedro e Francisco quando, de repente, uma mulher que ia bem à nossa frente levantou a mão e bateu no filho pequeno, que seguia agarrado à sua outra mão. Não havia condição de ouvir o que diziam. Porém, seja lá o que tenha dito a criança, a bofetada revela, creio, falta de diálogo. Penso assim”.
(Relato de Francisco) “Veja só, Rita, íamos eu, Antônio e Pedro. À nossa frente caminhava uma mãe com o seu filho. De repente o filho meteu a mão no ventre da mãe. Então, ela teve que bater no filho para que ele aprendesse a respeitá-la. Veja só em que tempos nós estamos!”
Fato e invenção
A partir desses relatos, dá para notoriamente perceber o que é notícia verdadeira e o que é notícia falsa ou fake news. Embora Pedro e Antônio não se guiem pelo mesmo padrão de pensamento educacional, ambos partiram de um fato verdadeiro, isto é, a mãe bateu na criança. Igualmente, ambos revelaram que não dava para ouvir o que eles conversavam. E que não houve qualquer ação da criança contra a mãe. No julgamento, na interpretação do fato, divergiram. Natural embate de opinião.
Por sua vez, Francisco transmitiu seu relato de forma falsa. Segundo ele, o filho havia batido primeiro na mãe, e isso não aconteceu. Disse isso apenas para sustentar o padrão educacional em que acredita. Sobretudo, ele mentiu sobre o fato. Isto é notícia falsa. Isto é fake news. Ou mais claramente falando, é uma mentira.
Da notícia verdadeira, se ocupa a imprensa. Da notícia falsa, se ocupam os que desejam a todo custo manipular a opinião pública. Interpretar a notícia é absolutamente normal, e é também tarefa de jornalistas, além de especialistas em geral que ocupam as páginas dos órgãos de imprensa. Falsear a notícia é papel de pessoas mal-intencionadas.
Dia da Imprensa
A historieta vem a propósito do Dia da Imprensa, a se comemorar nesta data de 1º de junho. Até recentemente, o dia era festejado a 10 de setembro, data em que, no ano de 1808, havia circulado o primeiro número do A Gazeta do Rio de Janeiro, considerado, assim, o primeiro jornal brasileiro.
Quando se descobriu que três meses antes, em 1º de junho, circulou, em Londres, o Correio Braziliense, a data foi mudada. A mudança aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso, sancionando projeto do então deputado gaúcho Nelson Marchezan. Águas passadas.
Liberdade de expressão X fake news
O importante, agora, é defender a imprensa e a liberdade de expressão, explicitando que liberdade de expressão não se confunde com liberdade de mentir. Não há democracia – e, portanto, sociedade livre, inovadora e produtiva – sem imprensa livre e sem liberdade de expressão. Porém, não pode haver nada disso se a liberdade de mentir for condecorada e, assim, confundida com liberdade de expressão.
Ultimamente, com a projeção de agrupamentos de extrema direita, no Brasil e no mundo, a liberação de notícias falsas, como se fora liberdade de expressão, tem tentado se revestir de proposta séria. Não é. De nenhuma maneira fake news, que é a denominação dada, na mídia, à divulgação de mentiras, é coisa séria.
Portanto, cabe a todos nós que militamos na mídia, ou mesmo fora dela, no ato de saudar o Dia da Imprensa, tanto defender a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão quanto execrar a prática de fake news. São coisas absolutamente diferentes e, sobretudo, excludentes.
Portanto, viva a liberdade de imprensa! Viva a liberdade de expressão! Abaixo a mentira e as fake news!