Sérgio Botêlho – Tudo aconteceu no período da história em que as luzes voltaram a iluminar a humanidade, no marcante século XVIII, a partir dos iluministas. O ser humano passou a empreender uma maravilhosa aventura pela via da racionalidade, libertando-se corajosamente do retrógrado campo da superstição e da lenda para o da ciência e da história conscientemente erguida e estudada.
Dessa maneira, não aleatoriamente os anos 1700 experimentaram o erguimento de um novo mundo, onde o pensamento dos iluministas permitiu aos seres humanos entender que religião e ciência podem até conviver, porém, sem que jamais a primeira possa determinar diretrizes para a segunda.
Na verdade, John Locke, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Adam Smith e Diderot – essencialmente, estes – se levantaram contra o Antigo Regime, representado pela Idade Média, quando clero e nobreza ergueram uma inexpugnável barreira antiprogresso, impondo o credo e as trevas para submeter a burguesia, que se formava, e o povo em geral, incluindo o direito de vida e de morte, sobre todos.
No Antigo Regime, apropriadamente qualificado como Idade das Trevas, a fé, expressa no poder dos cardeais e dos reis, substituía a razão. Em contraposição a isso, na época que ficou denominada de Século das Luzes, a humanidade descobriu a sua própria força construtiva, capaz de edificar história e economia, por meio da razão.
Foi, portanto, no século XVIII onde aconteceram fatos determinantes para o futuro da humanidade, que ainda se ergue no mundo de hoje. Dentro daqueles 100 anos espetaculares, se impuseram a Revolução Industrial Inglesa, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. No século seguinte, a independência dos demais países americanos.
Hoje, por exemplo, dia 4 de julho, os Estados Unidos da América comemoram com pompas e circunstâncias sua independência. Emoldurado pelos fogos de artifício e pela coloração predominantemente vermelha e azul, em tempos não pandêmicos aquele país norte-americano festeja, muito ruidosamente, nas ruas, a libertação do país com relação ao Império Britânico.
Naquele instante de 1776, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Connecticut, Delaware, Geórgia, Rhode Island, Massachusetts, Mayland, New Hampshire, Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Virginia foram as 13 colônias britânicas na América que conduziram o processo de independência, entre outras razões impulsionadoras locais e das relações econômicas com os colonizadores, embaladas pelas ideias iluministas.
Contudo, as colônias do Sul eram mais fortemente estruturadas, do ponto de vista econômico, com base no regime escravocrata, o que não tinha nada a ver com as ideias liberais do Iluminismo. Mesmo assim, o pensamento de Montesquieu, especialmente sobre a separação dos poderes, inspirou a organização constitucional dos Estados Unidos da América, na sua formação, após a transformação das 13 colônias em estados.
Somente 89 anos depois, em 1865, foi que a Guerra Civil Americana resolveu oficialmente a questão da escravatura, no país. Embora, essa mancha tenha continuado na história norte-americana durante as décadas seguintes, servindo ainda hoje de fundamento para choro e ranger de dentes na vida das populações afrodescendentes daquele país. Contudo, essa é outra história.
Portanto, neste 4 de julho de 2021, meses depois de os Estados Unidos terem se livrado de grande e perigosa arapuca histórica, o país comemora mais um aniversário de sua independência, um dos episódios mais importantes dos que foram inspirados pelo iluminismo, no mundo.
É isso.
“O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede…” (Mário Quintana)